Por favor, diga seu
nome completo, idade, onde nasceu e onde mora atualmente.
Elmano Silva Santos,
nasci em 21/04/1942, cidade do Recife-PE. Moro em Joinville/SC.
Qual o
primeiro contato que você teve com os quadrinhos?
Desde que aprendi a
ler (praticamente sozinho) aos cinco anos de idade. Revistas que meu pai
comprava como Tico-Tico, O Malho e os gibis que o meu irmão (seis anos mais
velho que eu) também comprava e colecionava, como Fantasma, Edição Maravilhosa,
Guri e todas as maravilhosas publicações daquela época de ouro, sem falar dos
almanaques nos finais de ano. Eu gostava de colecionar gibis do Tarzan e
Fantasma.
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Revista MEDO #3, Press Editorial. |
Qual, onde e
quando teve sua primeira HQ publicada?
Revista SPEKTRO nº
11 da Editora Vecchi (RJ) em 1979, uma HQ de 12 páginas, “A Vingança de Sinhá
Preta”. Após ficar quase 2 anos engavetada pelo editor Otacílio D´Assunção
Barros, o Ota, por achar que os leitores não iriam gostar de um gênero que
fugia do que era comumente publicado: Drácula, Lobisomem, Múmia, etc. Mas,
quando resolveu publicar, numa pesquisa feita na época, o meu nome (ainda
assinava Mano) ganhou disparado no gosto dos leitores.
Você fez
algum curso técnico para aprimorar o traço?
Não. Sempre fui
autodidata. Em 1974 tentei fazer um curso de Desenho Artístico (no Senac-RJ)
mas o professor, que entendia mais de desenho industrial e um outro que era
pintor e amigo do professor, ao ver alguns desenhos que fiz numa aula, me
aconselhou a continuar o que eu estava fazendo, ou seja, praticar em casa, ao
invés de perder meu tempo nesse curso. Daí continuei observando os grandes
mestres e lendo livros sobre pinturas, desenhos e tudo que pudesse me ajudar
tecnicamente no desenho.
Quais são
suas principais influências nas HQs?
Influências acho que
nenhuma. Tenho sim admiração pelas técnicas de muitos desenhistas, seja no
traço, hachuras, luz e sombra, cores, etc. Posso citar Percy Lau, OswaldoStorni, Hal Foster, Alex Raymond (os mais antigos) e Moebius, Caza, Gal,
Hermann Huppert, os mais recentes. Como pode perceber, atualmente curto mais os
quadrinhos europeus.
Você
produziu muito na época de ouro da HQB (décadas de 70 e 80), em editoras do
porte da Vecchi, Press, Maciota e Grafipar. Como era publicar HQ nesse período de
recessão econômica?
Era “matar um leão
por dia”. Eu havia largado o meu último emprego burocrático (como Assistente
Administrativo) num órgão do Ministério da Saúde e, em 1978, tirei a minha
carteira de autônomo. O meu chefe achava que eu estava louco. Alternava minha
arte no teatro e TV (eu também sou ator profissional) e ganhava uns trocados
fazendo retratos de pessoas conhecidas. Esse incentivo veio quando ganhei em
1976 uma Menção Honrosa com dois desenhos que fiz para uma Mostra de Salão de
Inverno de Petrópolis (RJ) e uma menção Honrosa num Concurso de Dramaturgia no
mesmo ano. Daí passei a acreditar que o meu caminho era a arte.
Você saberia
responder quanto ganhava naquela época em média (em valores de hoje) por
página?
Essa resposta vai
ser difícil de responder. Por exemplo, na Vecchi, eu também colaborava para
outras revistas dessa mesma Editora. Fiz todas as capas da Killing, uma espécie
de fotonovela policial. Ilustrei muitos contos e artigos de publicações como
Grande Hotel, Carícia, Jaques Douglas, etc.
Sem
desmerecer nenhuma, mas qual editora você mais gostou de trabalhar?
Posso dizer que de
todas. Em especial a Editora Vecchi, pelas amizades que fiz com
desenhistas como Julio Shimamoto, Watson, Flavio Colin, Ofeliano de Almeida e
as lembranças de uma época também difícil mas, que a duras penas, você
conseguia publicar seus trabalhos profissionalmente.
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Nossa Senhora Aparecida em Quadrinhos. |
Assim como
alguns desenhistas das décadas de 70-80, como Rodolfo Zalla e Eugenio
Colonesse, você também produziu capas e ilustrações para livros didáticos?
Para livros
infantis, não didáticos. Fiz alguma coisa para a Ao Livro Técnico (RJ) e capas
e ilustrações para revistas da Embratel. Também em parceria com o Júlio Emílio
Braz que fez o texto e eu adaptei para HQs. Para a Editora Vozes (Petrópolis-RJ)
ilustrei os álbuns sobre a vida de alguns santos católicos: Nossa Senhora,
Santo Antonio e Nossa Senhora de Aparecida.
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A nova versão da SPEKTRO, da Ink Blood Comics. |
Sua
participação na saudosa revista SPEKTRO era muito apreciada pelos leitores e
recentemente Fábio Henrique Chibilski, diretor da Ink Blood Comics, relançou
essa revista. O que você acha dessa iniciativa? E teria interesse em
participar?
Acho importante. Qualquer
iniciativa para lançamento de HQs nacionais, de forma profissional, deve ser
feita. Ele havia me contatado para participar, mas infelizmente eu estava numa
fase pessoal difícil e falei para deixar para os próximos números. Claro que eu
tenho interesse em participar. Gostaria até de saber como foi a aceitação da
nova Spektro entre os leitores.
Uma boa
fonte de renda dos desenhistas atualmente são as chamadas “comissions”
(desenhos feitos sob encomenda). Você venderia algum de seus originais da
SPEKTRO ou de qualquer outra revista?
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Luiz Gonzaga - lápis de cor sobre papel. |
As "comissions", desenhos sob encomenda, posso fazer, sim, desde que não seja HQs para super-heróis e sem um prazo apertado. Já fiz muitas pinturas e desenhos de retratos como os que postei no Facebook, alternando com a produção de HQs, tudo sob encomenda. Estou na produção do novo álbum do Silas e não espero desviar meu tempo para algo que não compense. Já perdi anos colaborando gratuitamente para produções independentes. Quanto aos originais da SPEKTRO, não tenho nenhum interesse em relançar trabalhos antigos. Todos os originais eu destruí há anos. Tenho todos os exemplares com os meus trabalhos publicados. Fiz muitas mudanças de casa em minha vida e sempre que posso, vou me desfazendo das tralhas. revistas, livros, CDs, DVDs... Quero publicar NOVOS TRABALHOS, minha nova fase...
Uma pena saber que não existem mais os originais. Não ficou nenhum pra contar a história?
A capa
do álbum "Os Marginais" acho que essa eu devo ter o original que
escapou de ser destruída e a capa de "Silas Verdugo, O Homem do Patuá - A
Origem" que é uma tela pintada em acrílico. Dessas duas edições
restavam cópias que enviei para a Marca de Fantasia, DEPOIS de ter ido à uma
editora em São Paulo e esperado serem publicadas por quase um ano. Senti
enrolação do editor que quase não me devolveu o material. Essas cópias não
foram destruídas por mim quando as consegui de volta, por causa de minha mulher
que escondeu as mesmas e prometeu só me entregar se eu não destruisse esse
material. Passada a minha fúria, pensei com calma sobre os meses de trabalho e
resolvi enviar para a Marca as xerox dos 2 álbuns que foram publicados.
Resumindo, um puta trabalhão que saiu de graça. Entende porque eu cheguei agora
à essa conclusão, certo?
Agradeça sua esposa por mim, por ter salvo esses originais, tá (risos)? Falando em Silas
Verdugo, o “Homem do Patuá” é um dos seus personagens mais conhecidos dos fãs
da HQB. Como surgiu esse personagem?
O Silas Verdugo, em
parte, sou eu. Quando jovem, morando no interior de Pernambuco, costumava fazer
caçadas com o meu avô, Major Sinval, médico farmacêutico, poeta, figura
folclórica de Caruaru, terra dos meus pais. Eu usava uma espingarda de carregar
pela boca, simples (às vezes o meu avô me emprestava a dele, de calibre 12) o
bisaco, (alforje), chapelão e capa nos dias frios. Quando comecei a produzir
HQs, me veio a idéia de um personagem justiceiro na época do cangaço. Como sou
ator, resolvi me servir de modelo para ele. O nome Silas veio de um grande
amigo, colega de colégio que, após ser preso, sumiu na época da ditadura. É uma
espécie de homenagem que presto a ele.
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Edição especial do Homem do Patuá, por Eduardo Cardenas. |
Verdugo
também teve uma edição especial em formato digital feita por Eduardo Cardenas.
Você teve participação nessa obra-homenagem?
Não. Ele me pediu
autorização para fazer essa edição. Ontem mesmo me enviou Xerox desse trabalho.
Fez uma versão diferente do Silas que eu criei, em termos de narrativa,
indumentária, etc. O Eduardo é um desenhista versátil e um grande amigo que
conheci no Festival de HQ de Aracaju, para o qual fui convidado e muito bem
recebido. Gente legal mesmo!
Seu
personagem também teve um álbum publicado pela editora Marca de Fantasia em
2010, na Série Repertório, contando sua origem. Você trabalhou sozinho nessa
edição?
Sim. Sempre escrevi
os roteiros de minhas HQs. Com exceção de uma edição especial que o Ota
publicou no tempo da Vecchi, sobre Macumba e as vidas de santos pela
Vozes, que citei acima nesta entrevista, sempre trabalhei com os meus roteiros.
No álbum “A ORIGEM”, publicado pela Marca de Fantasia, que conta como surgiu o
Silas Verdugo, o roteiro também é meu. Já estou produzindo “AS BRIGADAS”, que é
a continuação desse álbum. Sem prazo para concluí-lo, uma vez que estou fazendo
em aguada e isso é uma técnica que requer mais tempo que o desenho feito
somente a nanquim.
Outro
material interessante é o álbum Os Marginais, que também saiu na mesma Série
Repertório, da Marca de Fantasia. Do que se trata esse trabalho?
São duas histórias
sobre um marginal chamado Bituca AR15 e outra sobre violência urbana, drogas e
essa situação que cada vez vai se tornando pior.
Voltando ao
gênero terror, o que era o Trio Diabólico?
O Trio Diabólico
ainda É! É formado pela Sinhá Preta, o menino Aparício (protegido da Sinhá
Preta também por um forte patuá) e a terrível, indestrutível Besta-Fera, cria
do demônio com uma criada de um malvado coronel poderoso. Se você vir esse
Trio, mude de caminho e não olhe para trás (risos)!
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Trio Diabólico! |
Você sempre
usou essa temática regional, notadamente a nordestina, em suas HQs, mesmo a
contragosto de alguns editores. Porquê?
A contragosto no princípio
como expliquei acima. Mudei o gênero de terror no Brasil. Amo de coração o meu
nordeste. Vivi parte de minha infância e adolescência no interior do nordeste e
convivi com aquele povo e já era de minha natureza observar, escutar histórias,
ver os cantadores nas feiras, os personagens mais estranhos e tudo isso me
inspirou no futuro. Tem aquela frase do Dostoiéviski: “Quando cantares para o
mundo, fala de tua aldeia”. E é justamente isso que eu faço. Pesquiso tudo
sobre cangaço, tenho farto material sobre cangaço, folclore nordestino e como
já falei, amo o meu nordeste! Mesmo com todos os problemas é rico em seu
folclore e arte. As lembranças estão gravadas em minha mente: as caatingas, serrados,
barreiros, vegetação, casas por onde pernoitei e, principalmente, o povo
daquela época. Hoje, a TV globalizou e acabou com algumas tradições. Há muito
artificialismo, infelizmente...
Você chegou
a publicar nas revistas da extinta e saudosa Editora D-Arte, do mestre Rodolfo Zalla?
Não me lembro de ter
colaborado com a Editora D-Arte. Penso até em fazer um trabalho para o Zalla. O
Shima e o Eduardo me falaram para que eu mandasse HQ para ele.
Ainda mantém
contato com os profissionais dessa época?
Somente o Shima.
Quando vivo e ainda morando no Rio, o [Flávio] Colin me ligava pedindo dicas
sobre detalhes de objetos e coisas do Nordeste. Com o Watson [Portela], tivemos
contato por cartas anos atrás.
Saindo um
pouco do tema terror, você também fez sci-fi, faroeste e infantil, certo? Cite
alguns títulos dessa safra.
Fiz para a Vecchi,
na segunda fase da Spektro em 1993, algumas HQs Sci-Fi como “O Lodo da Morte”,
“El Justo - O Capitão-do-Mato”, “A Ilha da Agonia”, “A Praga”, “Gosma”, entre
outras. Para a Icea, (uma editora de Campinas) fiz “Goran”. Para a Grafipar,
“Xendra - A Inseminadora”. No gênero faroeste, “El Condor” para a Press
Editorial e para a editora independente Júpiter II. No gênero infantil
publiquei pela Júpiter II quatro números do meu personagem ecológico
“Krahomim”, um indiozinho defensor da natureza e dos animais.
Você também
acumula muitos prêmios artísticos em salões e convenções pelo mundo afora. Cite
alguns.
No Salão Carioca de
Humor (RJ) ganhei desde Classificação, Menção Honrosa, Primeiro, Segundo e
Terceiro Lugar. Em Portugal, no Salão Moura de Humor, ganhei também duas Menções
Honrosas. Ao todo, em meu currículo, tenho dezessete prêmios. O maior de todos
para mim é saber que, com meus trabalhos, conquistei fãs pelo mundo
inteiro, até na Alemanha. Isso é que me dá ânimo para continuar essa jornada.
Fora dos
quadrinhos você trabalhou para a TV no programa Chico Anysio Show. Conta pra
gente sobre esse trabalho.
Como ator (e também
cantor profissional) eu havia participado de um musical em 1982 “Mame-o ou
Deixe-o” (o título seria “Brasil, Mame-o ou Deixe-o”, mas a censura cortou a
palavra Brasil). No elenco estava Alcione Mazzeo, ex-esposa do Chico. Ficamos
grandes amigos e, quando seu filho, Bruno Mazzeo, aniversariava eu fazia os
convites e ia ao aniversário dele. Em 1985 ela me ligou dizendo que o Chico ia
me ligar. Ele queria um desenhista para criar charges, ilustrando as notícias
no quadro que ele fazia: Jornal do Lobo. A Kombi da Globo veio me apanhar em
casa. Eu morava em Ipanema. Na Cinédia, fui direto para uma sala fazer as
ilustrações. Eu havia levado uma bolsa com todo o tipo de material para desenho
que eu tinha. Ao sair, ele me perguntou se eu queria fazer o personagem do Kid
Farsante, no quadro do Bronco Billy, uma sátira aos filmes de faroeste classe
C. Aceitei de cara e comecei a trabalhar fazendo as charges e atuando como o
Kid Farsante. Como também escrevo, fiz um texto para o Bronco Billy que o Chico
aprovou e mandou gravar. Daí por diante comecei a trabalhar no Chico Anysio
Show, como ator, desenhista e roteirista. Foi uma fase legal e mais uma
experiência em minha vida. Depois mudei para a Barra da Tijuca e, na época, sem
telefone e distante, fiquei afastado de tudo. Também não quis me tornar
ator de um gênero só na TV como também não consigo ficar sem criar minhas HQs, pinturas,
etc.
Ultimamente
você anda afastado das HQs?
Não estou afastado.
Produzi muita coisa para editoras independentes, mas já estou descartando esse
tipo de trabalho. Foram quatro experiências desse tipo que nada me renderam,
além de ingratidões que já esqueci. Continuo, como já falei acima, trabalhando
em novos projetos e espero apenas uma proposta legal para voltar a publicá-los.
Sou aposentado por tempo de serviço desde 2003, o que me dá uma certa folga
para fazer o que eu quero, o que não podia fazer antes, tipo pintar, me dedicar
mais a produzir álbuns sem prazo definido, etc. Enfim, agora sou dono do meu
nariz e não quero voltar a “matar um leão por dia” para sobreviver.
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Mané Ula, inimigo mortal de Silas Verdugo. |
Fique a
vontade para expressar suas considerações finais.
Gostaria de ver mais
leitores interessados em gibis comprados nas bancas e nada virtual. Uso
computador para não me tornar um “jurássico”, mas prefiro a revista impressa,
com aquele cheiro de gráfica, o prazer de virar as páginas e observar os
detalhes sem ter que ficar diante de uma tela. Sobre a entrevista, espero que
tenham gostado das respostas. Um grande abraço!