Lembro de quando era garoto e sempre que meu pai me levava
para cortar o cabelo passávamos antes na única banca de revistas da pequena
cidade onde morava para comprar uma edição qualquer. Podia ser da Turma da
Mônica, Recruta Zero, Brasinha, Luluzinha... As opções eram muitas e o preço
acessível, mesmo para um garoto que tinha pouquíssima grana a disposição. E
quando digo pouquíssima me refiro não só ao trocado do corte de cabelo, mas
também ao do lanche da escola, guardado semanalmente, até juntar o suficiente
para adquirir a tão desejada HQ.
Outra maneira de se conseguir revistas era através de troca
no sebo do Santana, um senhor gordo e atarracado que vivia assobiando músicas
de Luiz Gonzaga. Lá eu podia encontrar antigas edições de Superaventuras
Marvel, Heróis da TV, Calafrio, Mestres do Terror, Spektro, Tex e muitas outras
que fizeram parte da minha coleção. A primeira revista do Conan que eu li, (ESC #3)
e Calafrio (#22) eu comprei lá a um precinho camarada.
Durante boa parte da minha vida as HQs dominaram as estantes
das bancas. Infelizmente, hoje a realidade é outra.
Para se achar HQ nas bancas atuais é preciso ter a
elasticidade de um contorcionista e a paciência de um arqueólogo, pois em
algumas bancas elas estão posicionadas nas estantes mais baixas, geralmente
debaixo de revistas de moda, culinária, fofocas de novela...
Já cheguei ao cúmulo de ter de perguntar ao balconista se
não havia HQ ali, de tão difícil que estava achar as edições.
Onde eu acho HQ aqui? |
Mas de certa forma essa “elitização” dos quadrinhos deu um
novo sopro a HQ nacional, que havia entrado em coma no final dos anos 80. O crowdfunding,
modalidade que consiste em uma arrecadação coletiva para financiar determinados
projetos, se tornou popular entre os quadrinhistas, geralmente através do site
Catarse. Para quem não sabe como funciona, vou explicar: o sujeito cria seu
projeto de HQ, faz um orçamento de quanto vai precisar para fazer a edição (incluindo
aí pagamento de desenhista, colorista e impressão) e divulga esse projeto no
referido site, estipulando o valor do orçamento como meta a ser atingida. Geralmente brindes
são oferecidos como incentivo a quem cooperar, que vão de sketchs autografados
pelo desenhista até páginas originais da revista.
Mas aí vem outro problema. A “elitização” criou um paradoxo:
se a edição sai em papel jornal e capa mole o leitor reclama da qualidade. Se
sai em papel couchê e capa dura, reclama-se do preço. Com isso o sujeito que
tem seu projeto de HQ fica num dilema.
Então, para satisfazer o leitor exigente, o editor investe
no material de alta qualidade e o que se vê no site são projetos que necessitam
de uma arrecadação exorbitante para ser posto em prática, e geralmente, para se
ter direito a uma edição impressa da revista (o objetivo principal de quem se
dispõe a bancar esse tipo de projeto) é necessário fazer uma doação alta, nem sempre
compensada pela qualidade do desenho ou do roteiro. Alguns alegam que devemos cooperar
apenas para apoiar o quadrinho nacional e fomentar o mercado. Mas nem sempre
dispomos de R$ 50 ou mais para fazer tal coisa. Até hoje apoiei apenas um
projeto no site e isso porque a edição era muito do meu interesse. Além do
mais, pelo volume do álbum e a qualidade do material (223 páginas, 23 x 31 cm, capa
dura, papel couchê 150g, impressão primorosa, ótimos desenhos e informações e
ainda acomodado em um belo e resistente slipcase) o valor era mais do que baixo
(R$ 60).
Já vi bons projetos naufragar no site, mesmo tendo por trás
pessoas conhecidas tanto no mercado nacional quanto internacional. E atribuo o
naufrágio a essa “elitização”. Pergunto: a revista popular, a preço acessível,
morreu? Será que qualquer revista hoje necessita de capa dura, papel de
altíssima qualidade, capas variantes, neon nas bordas, confete e serpentina ou
qualquer outra tralha que só serve pra aumentar o preço de capa? Acredito que
não. Pra mim basta um roteiro bom e honesto e desenhos legais em uma revista de
preço acessível. Abro mão de qualquer brinde, desde que eu tenha a revista
impressa em minhas mãos para folhear, ler, reler, sentir o cheiro da tinta,
apreciar os detalhes de cada quadrinho e as sacadas legais do roteiro.
Peço encarecidamente aos editores que continuem lançando
suas edições com boa impressão, bom papel e, principalmente, ótimos roteiros e desenhos.
Mas tenham bom senso! Atentem-se a realidade do país e dos leitores que aqui sobrevivem!
Perguntem-se antes se suas revistas valem o preço que vocês querem cobrar. Se
descobrirem que não, refaçam as contas, procurem novos orçamentos com outros
materiais, tornem o preço acessível, vendam e façam o mercado se reaquecer e os
preconceitos serem varridos para debaixo do tapete.
Vida longa ao quadrinho nacional!