13.5.14

O que houve com a revista em quadrinho de banca?

Lembro de quando era garoto e sempre que meu pai me levava para cortar o cabelo passávamos antes na única banca de revistas da pequena cidade onde morava para comprar uma edição qualquer. Podia ser da Turma da Mônica, Recruta Zero, Brasinha, Luluzinha... As opções eram muitas e o preço acessível, mesmo para um garoto que tinha pouquíssima grana a disposição. E quando digo pouquíssima me refiro não só ao trocado do corte de cabelo, mas também ao do lanche da escola, guardado semanalmente, até juntar o suficiente para adquirir a tão desejada HQ.

Outra maneira de se conseguir revistas era através de troca no sebo do Santana, um senhor gordo e atarracado que vivia assobiando músicas de Luiz Gonzaga. Lá eu podia encontrar antigas edições de Superaventuras Marvel, Heróis da TV, Calafrio, Mestres do Terror, Spektro, Tex e muitas outras que fizeram parte da minha coleção. A primeira revista do Conan que eu li, (ESC #3) e Calafrio (#22) eu comprei lá a um precinho camarada.

Durante boa parte da minha vida as HQs dominaram as estantes das bancas. Infelizmente, hoje a realidade é outra.

Para se achar HQ nas bancas atuais é preciso ter a elasticidade de um contorcionista e a paciência de um arqueólogo, pois em algumas bancas elas estão posicionadas nas estantes mais baixas, geralmente debaixo de revistas de moda, culinária, fofocas de novela...

Já cheguei ao cúmulo de ter de perguntar ao balconista se não havia HQ ali, de tão difícil que estava achar as edições.

Onde eu acho HQ aqui?
Opções ainda tem bastante, mas o quadrinho hoje se elitizou, com papel de melhor qualidade e capa dura, alguns chegando a custar mais de R$ 100, um absurdo para um país onde algumas cidades chegam a ter renda per capita de míseros R$ 172 mensais. A maioria das boas HQs passaram a ser item de colecionador, vendidas em lojas especializadas, deixando para as bancas de rua apenas mais do mesmo, e mesmo assim a um preço que não vale a pena pagar para ler apenas uma HQ de interesse, o restante se limitando a ser “tapa-buraco”.

Mas de certa forma essa “elitização” dos quadrinhos deu um novo sopro a HQ nacional, que havia entrado em coma no final dos anos 80. O crowdfunding, modalidade que consiste em uma arrecadação coletiva para financiar determinados projetos, se tornou popular entre os quadrinhistas, geralmente através do site Catarse. Para quem não sabe como funciona, vou explicar: o sujeito cria seu projeto de HQ, faz um orçamento de quanto vai precisar para fazer a edição (incluindo aí pagamento de desenhista, colorista e impressão) e divulga esse projeto no referido site, estipulando o valor do orçamento como meta a ser atingida. Geralmente brindes são oferecidos como incentivo a quem cooperar, que vão de sketchs autografados pelo desenhista até páginas originais da revista.

Mas aí vem outro problema. A “elitização” criou um paradoxo: se a edição sai em papel jornal e capa mole o leitor reclama da qualidade. Se sai em papel couchê e capa dura, reclama-se do preço. Com isso o sujeito que tem seu projeto de HQ fica num dilema.

Então, para satisfazer o leitor exigente, o editor investe no material de alta qualidade e o que se vê no site são projetos que necessitam de uma arrecadação exorbitante para ser posto em prática, e geralmente, para se ter direito a uma edição impressa da revista (o objetivo principal de quem se dispõe a bancar esse tipo de projeto) é necessário fazer uma doação alta, nem sempre compensada pela qualidade do desenho ou do roteiro. Alguns alegam que devemos cooperar apenas para apoiar o quadrinho nacional e fomentar o mercado. Mas nem sempre dispomos de R$ 50 ou mais para fazer tal coisa. Até hoje apoiei apenas um projeto no site e isso porque a edição era muito do meu interesse. Além do mais, pelo volume do álbum e a qualidade do material (223 páginas, 23 x 31 cm, capa dura, papel couchê 150g, impressão primorosa, ótimos desenhos e informações e ainda acomodado em um belo e resistente slipcase) o valor era mais do que baixo (R$ 60).

Já vi bons projetos naufragar no site, mesmo tendo por trás pessoas conhecidas tanto no mercado nacional quanto internacional. E atribuo o naufrágio a essa “elitização”. Pergunto: a revista popular, a preço acessível, morreu? Será que qualquer revista hoje necessita de capa dura, papel de altíssima qualidade, capas variantes, neon nas bordas, confete e serpentina ou qualquer outra tralha que só serve pra aumentar o preço de capa? Acredito que não. Pra mim basta um roteiro bom e honesto e desenhos legais em uma revista de preço acessível. Abro mão de qualquer brinde, desde que eu tenha a revista impressa em minhas mãos para folhear, ler, reler, sentir o cheiro da tinta, apreciar os detalhes de cada quadrinho e as sacadas legais do roteiro.

Peço encarecidamente aos editores que continuem lançando suas edições com boa impressão, bom papel e, principalmente, ótimos roteiros e desenhos. Mas tenham bom senso! Atentem-se a realidade do país e dos leitores que aqui sobrevivem! Perguntem-se antes se suas revistas valem o preço que vocês querem cobrar. Se descobrirem que não, refaçam as contas, procurem novos orçamentos com outros materiais, tornem o preço acessível, vendam e façam o mercado se reaquecer e os preconceitos serem varridos para debaixo do tapete.


Vida longa ao quadrinho nacional!