23.3.13

Entrevista: LANCELOTT



Apresente-se aos leitores dizendo seu nome, idade, onde nasceu e onde mora atualmente. 
Bem, sou Lancelott,  nascido Bartolomeu Martins. Sou “filho sol do equador”, piauiense de Parnaíba.

Como todo fã de HQs, você também começou a ler quadrinhos na infância?
Sim. Chego a dizer que foi minha escola. Nos quadrinhos aprendi a sonhar, imaginar, enfim a exercitar a mente criativa e não fui desvirtuado como se aplicaria à teoria de Whertam. Conheci Alex Raymond, Bob Kane, Lee Falk e me encantei com a arte sequencial. “Batimão” e “Rubinho” foi como ouvi antes de ler Batman e Robin, por uma senhora que as lia para mim e meu irmão.

Quais títulos te marcaram nessa época?
Flash Gordon, Jim das Selvas, Mandrake, Fantasma, Tarzan e Batman.

Os quadrinhos eram acessíveis onde você morava?
Não. Na verdade morávamos em uma área ribeirinha afastada da cidade, mas uma senhora de meia idade, Dona Luiza, comprava estas revistas, levava de presente e as lia à noite (lembro com saudade...).

Acervo pessoal e fonte de pesquisa de Lancelott.
Além de um ótimo desenhista você também escreve roteiros?
Desenhar era coisa de pequeno. No colégio já fazia as “capas de provas” de final de ano com imagens de Tarzan, Fantasma, Batman e cobrava dos colegas (hehehe!!!). Escrever foi uma decorrência de ler muito Machado de Assis e outros autores. Com o tempo passei a trabalhar para uma biblioteca e fazia resenhas de livros e ganhei o gosto para “inventar” histórias e sim, respondendo, escrevo.

Já teve trabalhos publicados em revistas no Brasil ou fora dele?
Não. Sempre desenhei mas nunca participei de qualquer publicação de grande circulação. Nos tempos de universidade fazia muitas ilustrações para livros de poesias, cartazes e publicações locais, quadrinhos institucionais, coisas assim... Enviei alguns trabalhos para a Editora D-Arte, do Rodolfo Zalla, mas não agradei. Também, não tinha técnica nenhuma, sempre fui autodidata.

E os fanzines, também atuou nesse meio?
Ah, os fanzines! Este foi o meu meio de expressar minha paixão por quadrinhos na década de 80. Mas fazer fanzines naquela época era mais paixão mesmo do que pensar em retorno financeiro, isso não existia! Tinha o QUERELA, onde publicávamos vários personagens, dentre eles EXU e SETE ESTRELAS. A publicação era mais voltada para a cultura regional, lendas e crenças. Esse fanzine, se me lembro bem, acho que ultrapassou umas 36 edições. Pena que eram de pouca tiragem e distribuídos de graça ou trocados por papel “chamex”... O zine era feito “cladestinamente” numa gráfica em que eu trabalhava (eheheh!!!), duplicado no “stencil”, coisa artesanal mesmo - papel, cola, tesoura e grampeadores. Lembro que na época cheguei a trocar zines com Joacy Jamys*, do Maranhão, mas ele se mandou cedo pro outro lado...

Vi no teu blog termos como “Orun”, “Aye” e menções a Maçonaria. Além do mais, teu personagem, Exú, é baseado no candomblé. Você é um cara espiritualizado, segue alguma doutrina ou religião? E como isso influi nas suas HQs?
Na verdade uma das minhas formações superior é Teologia (tinha um lance de querer ser frade, mas usar “saia” não bateu legal, ahahah!!). O Candomblé é uma vertente espiritual que muito me seduz e EXÚ nasceu dessa interação. Vi o tratamento do ser espiritual de EXÚ muito satanizado na cultura de um modo geral, advindo, claro, da nossa colonização cristã e resolvi resgatar sua verdadeira origem, na africana ancestralidade, dos Orixás como seres de uma crença de fé dos homens pretos... 

Aproveitando a deixa, conta pra gente sobre esse teu personagem, Exú.
Muito do quadrinho publicado no mundo inteiro sempre fez abordagens a deuses brancos e loiros e resolvi resgatar um preto para contrapor o peso da balança, por que não (hahaha!!!)? Um Orixá! Claro, não foi muito bem recebido, mesmo no zine... mesmo assim, desenhei muitas historias onde o principal eram suas andanças pelo muito dos seres físicos. Neste contexto, fazia sempre uma alusão a todo o Panteão Afro. Uma pena que eram de pouca tiragem e não me restou sequer uma edição impressa pois tive que fazer concursos, trabalhar e deixei de fazer quadrinhos marginais.

Já o Sete Estrelas tem uma verve mais nordestina, com origens no sertão.
Cordel... Aquela coisa da mítica do caboclo acreditar no fantástico, onde sua visão é mais onírica, mais colorida, mas distorcida do real convencional, mais simples e mais particular... SETE ESTRELAS foi nascido desta senda. O personagem aparecia no zine em contos ilustrados sempre envolto com o fantástico: almas, bois-da-cara-preta, cabeças de cúias, estrelas e diabos..




Agora, na minha opinião, o seu personagem mais interessante é o Catalogador. Quem é ele e como surgiu?
O CATALOGADOR? Parece até egocentrismo não é? O personagem foi uma decorrência de minha atividade de “catalogar” personagens brasileiros. A idéia com o Catalogador era possibilitar encontros com outros heróis brazucas de universos independentes diferentes sem muita explicação e/ou explicar origens, enfim, estas coisas. O personagem é aberto a todos os autores para o utilizarem em suas criações. Seria uma entidade supra temporal, cósmica (cacete... hahaha!!) que teria esse fim. O personagem surgiu no Facebook, como forma icônica mesmo, e depois de muitos pitacos dos amigos Lorde Lobo, Ataíde Braz e por fim quando o Sergio Oliveira do zine Fábrica de Monstros publicou uma HQ dele, oficiou a sua aparição, vamos dizer, física.

E quem (ou o que) são os Bengalas Boys?
Os Bengalas Boys (hahahahah!!!)?! São os Bengalas Boys! Cara, foi uma brincadeira no Facebook quando resolvi provocar a velha guarda: Tony Fernandes, Ataíde Braz, Wilde Portella, Fernando Ikoma, Alvarez, A. Moreira, Moacir Torres, Décio Ramirez, Minighthi (nunca sei escrever o nome do MINI), Airton Marcelino, Seabra, Jodil, Jolba e muitos outros. Então criei um avatar com as características de cada um. Enfim, era uma alusão a velhos autores de quadrinhos, desenhistas e fãs... OS BENGALAS BOYS! Eram homens de um mundo onde a fantasia era criada pelo simples toque da mente. As criações fantásticas de suas mentes povoaram um mundo de impossíveis possibilidades, os quadrinhos! Agora eles estão no Universo dos Quadrinhos, uma dimensão onde criadores e criaturas se tocam, mas com um detalhe: eles não sabem quem são! O ápice deste encontro deu-se no Velho Oeste (hahahahaha!!!!). Escrevi um roteiro, o Airton Marcelino desenhou e foi publicado virtualmente pelo FARRAZINE. O nome veio de uma banda do Tony Fernandes, quando ele fumava e bebia (hahaha!!!). Ah, tem também a ver com a meia-idade do grupo.


E como começou esse trabalho hercúleo de catalogar todos os personagens nacionais no blog HQ Quadrinhos?
Bem, depois do final dos anos 80 fui trabalhar e me afastei dos quadrinhos e com minha aposentadoria, 30 anos depois, voltei para minha paixão e a rabiscar, mas sem clima para sequenciar, fazendo somente pin-ups para o meu blog, HQ Quadrinhos. Comecei a pesquisar sobre quadrinho brazuca e nada ou pouca informação encontrava na web, então resolvi fazer resenhas mnemônicas sobre personagens e publicar para registro e como tributo aos autores. Fiz um Catálogo de Heróis Brasileiros sem qualquer intenção acadêmica, registrando personagens de todo canto do Brasil, mesmo os chamados “marginais”, sem grande divulgação, mas que representam a vontade do quadrinista de materializar sua criação, quer seja em zines, web-zines, fanpages, etc., se configurando um grande Universo Independente, com incomensurável potencialidade se bem gerido. Este livro virtual, hoje, tem pra mais de 2.000 downloads!

Saberia dizer quantos já foram catalogados até a publicação dessa entrevista?
Não sei ao certo... Tenho aqui uma infinidades de informações preciosas que vão desde 1907, como o Dr. Alpha, um astronauta brasileiro que fazia viagens interplanetárias e tinha um traje de sustentação vital (publicado no Tico-Tico), até os dias atuais... Talvez umas 600 pastas de arquivos. Na verdade acho que estou precisando de mais tempo (hahahahh!!)... Tenho que rastrear publicações antigas e acessar, por exemplo, bibliotecas de jornais, etc...


Dentre tantos personagens, apenas uma pequena parcela conseguiu ser publicada oficialmente e reconhecida pelos leitores. Isso tem a ver com a qualidade do material, publicidade, empatia ou o que?
É verdade... Mas isso tem a ver com a realidade e a fantasia. Muita coisa que temos no “Universo Independente” é um sonho. Poucos desses sonhos tornam-se realidade com o esforço hercúleo de produzir um quadrinho físico com todos os seus custos e ônus e ainda bancar a distribuição. Muito difícil... Temos bons roteiristas e bons desenhistas. Temos um dos maiores mercado do mundo para esta mídia impressa mas não temos organização e/ou oportunização a estes prováveis valores... A exemplo, muitos estão no mercado americano.


Você também cataloga personagens gringos da Era de Ouro no blog Golden Age. Porque?
Os comics foram meu berço, creio, como a maioria dos brasileiros. E esta paixão pelo quadrinho de um modo geral, extrapola! Comecei o blog com estes personagens gringos até para “chamar” a atenção dos web-leitores e depois criei um blog específico para os quadrinhos da Golden Age americana.

Você disponibilizou para download gratuito em teu blog uma coletânea com centenas de HQs do saudoso mestre Flávio Colin. Com certeza um dos trabalhos mais importantes em prol do resgate da HQ nacional.
Falta no Brasil um resgate à memória destes artistas que, podemos dizer, foram os desbravadores de nossa assinatura nos quadrinhos. Abrimos a série com Flávio Colin que é emblemático, cheio de brasilidade, inclusive no traço a lá “entalhe de cordel”, algo sui generis... É uma série free para mais de 5 volumes sobre ele. Tenho pra mais de 600 páginas pesquisadas/trabalhadas.  É mais um resgate e tributo a este autor maravilhoso que partilho sem nenhum custo aos amigos. Espero que um dia alguma editora e/ou editor possa nos possibilitar algo impresso, pois este meu trabalho é apenas de divulgação, sem qualquer outro compromisso que não seja a memória do artista.

Página de Julio Shimamoto.
Seria legal termos mais trabalhos assim com outros grandes nomes da HQB como Rodval Matias, Watson Portela, Edmundo Rodrigues...
Até penso em fazer e já tenho alguns arquivos separados do Júlio Shimamoto e conto com a ajuda do Alan Bispo e do Paulo Castilho, dois grandes amigos e possuidores de grandes acervos digitais. Aguardem!

De uns tempos pra cá os artistas da HQB começaram a desenhar cada vez mais para o mercado exterior, aprendendo novas técnicas e estilos. Na sua opinião, isso é bom para os quadrinhos nacionais?
Bom, muito bom! Temos valores pra exportar, o que nos credencia e nos possibilitaria, se bem gerido nosso mercado, mão-de-obra qualificada.

No teu Facebook você postou xilogravuras usadas na literatura de cordel. Já escreveu algum?
Especificamente cordel, não. As xilogravuras, bem antes, no tempo dos fanzines, eram fontes de inspiração para os contos e artes do vaqueiro semi-morto Sete Estrelas.

Desenhista, roteirista, catalogador e ARQUEIRO nas horas vagas! Conta pra gente como surgiu esse amor pelo arco e flecha.
Hahahaha!!! Saca o lance dos Poetas Mortos?! Pois é, erámos apenas três arqueiros em nossa cidade e nos auto-denominamos Sociedade dos Arqueiros Mortos. Éramos vidrados no Arqueiro Verde, e ainda hoje, quando nos encontramos, nos chamamos mutuamente de Oliver (ahahah!!!!). Infelizmente, um dos membros da Sociedade já foi para os campos verdejantes de caça...

Lancelott, fique a vontade para mandar um recado aos seus colaboradores e aos leitores do blog.
Bem, eu tenho uma grande dificuldade em conseguir informações, mesmo dos autores mais novos e vivos sobre personagens publicados (em qualquer mídia), e aproveito a deixa do TINTA NANQUIM para deixar meu e-mail, scanscomics@gmail.com, para os colegas me enviarem imagens, textos, releases e também contribuições sobre personagens antigos e obscuros de nosso quadrinho, que não são conhecidos do grande público.

Lancelott e a "prata da casa".
Ciente da importância do seu trabalho para o resgate e disseminação dos grandes nomes que fizeram e fazem a HQB, o Tinta Nankin agradece a paciência e dedicação com que você nos cedeu essa entrevista.
Na verdade, quem agradece sou eu. Sou apenas um aficcionado pela Arte Sequencial Brasileira, mesmo as denominadas marginais (publicadas nos fanzines, zines, web-zines, independentes e autorais) e as oficiais, publicadas em mídias de grande circulação. Acho pertinente este trabalho do TINTA NAQUIM pelo amigo Rom Freire, que também mostra a cara do Brasil e tributa neste formato um grande preito de gratidão aos autores, desenhistas, escritores, roteiristas, pesquisadores e fãs. Obrigado pela oportunidade!

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* Joacy Jamys foi um quadrinhista, cartunista e fanzineiro de grande projeção no Brasil e no mundo. Morreu em 2006, vítima de um AVC. Mais detalhes sobre ele aqui.

E-mail de contato: scanscomics@gmail.com.


5 comentários:

  1. Gostei da entrevista. É uma forma de conhecer um pouco melhor o nosso Grande Catalogador, que já acompanho pelo face.
    Parabéns pelo seu trabalho de divulgação!

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  2. Saudações ao amigo Rom, parabéns meu chapa, muito bom seu blog e eu já estou seguindo, estarei sempre dando aquela olhada nas novidades...abração mano véi

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  3. Lancelott é um grande arquivo vivo, um verdadeiro catalogador, ele com seus e-books, quem mantem viva a memoria dos antigos produtores de HQ Brasil, são dado importantes, que esse moço consegue juntar e nos brindar com verdadeiras perolas, muito legal sua materia com esse super heroi Catalogador dos herois nacioal, parabéns

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    1. Salve JOLBA!!! Você é um FURACÃO, ...er...quer dizer um CICLONE!!!

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